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O menino brincando
 

O assunto desta baladilha,

duma tão cândida fisionomia popular

— rimance bretão? toada provençal?

ou por ventura, creação de Alphonse Daudet,

num volume do qual se encontra,

— li-o em menino e moço, quando ainda os fados tristes

não tinham feito de mim um escritor incipiente sequer,

Não me ficou na memória, com exactidão, a letra da balada,

mas apenas, de um modo vago, a sua linha geral e,

intensamente,

uma inapagavel impressão de encanto.

 

 

 

 

 

Oh meu Jesus adorado

Fecha os teus olhos divinos

Num soninho descansado;

Que a não sermos tu e eu

Todo a gente do povoado,

Desde os velhos aos meninos,

Há muito que adormeceu.

 

E o menino Jesus não se dormia ...

 

 

 

 

Dorme, dorme, dorme agora

(Cantava a Virgem Maria)

Que mal assomou a aurora,

Sentei-me junto ao tear

E por todo o dia fora,

Até que já se não via,

Não deixei de trabalhar!

 

E o Menino Jesus não se dormia.

 

 

 

 

Tornava Nossa Senhora,

Numa voz mais consumida:

Dorme, dorme, dorme agora

E que eu descance também,

Porque mesmo adormecida

Vela sempre, a toda a hora,

No meu peito, o amor de mãe.

 

E o Menino Jesus não se dormia.

 

 

 

 

Numa voz mais fatigada,

Tornava a Virgem Maria:

Dorme pombinha nevada,

Dorme, dorme, dorme bem ...

Vê que está quase apagada

A frouxa luz da bugia,

Do pouco azeite que tem.

 

E o Menino Jesus não se dormia.

 

 

 

 

Rogava Nossa Senhora:

Modera a tua alegria ...

Não deites a roupa fora

Do teu leito pequenino ...

Não rias mais. Dorme agora

E brincarás todo o dia ...

Dorme, dorme, meu menino.

 

E o Menino Jesus não se dormia.

 

 

 

 

Mais triste, mais abatida,

Pedia a Virgem Maria:

Tem pena da minha vida,

Que se a quero é para ti...

Vida aflita e dolorida!

Só por ti a viveria

Tão longe de onde nasci!...

 

E o Menino Jesus não se dormia.

 

 

 

 

E a voz da Virgem volveu:

Repara no meu olhar,

Vê como ele entristeceu...

Dorme, dorme, dorme bem,

Oh alvo lírio do céu!

Olha que estou a chorar,

— Tem pena da tua mãe!

 

Nosso Senhor, então, adormeceu ..

 

 

de Alba Plena

Versos de Augusto Gil

1916

 

 

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