Contos de Fajão
O JUIZ DE FAJÃO, NA RELAÇÃO DO PORTO
Um dia mataram um homem na serra da Rocha, e o Juiz de Fajão, que andava por ali à caça, viu quem o matou.
Mas como esse homem andava de mal com certo indivíduo, puseram as culpas a esse com quem ele andava mal.
No tribunal, as testemunhas juraram que tinha sido esse fulano o assassino. O Juiz de Fajão tinha visto, mas não podia ser ao mesmo tempo testemunha e juiz. Tinha de julgar conforme a prova testemunhal, mas também não queria condenar um inocente e deixar em liberdade o assassino.
Então lavrou a seguinte sentença: Julgo que bem julgo, posto que bem mal julgado está! Vi que não vi, morra que não morra! dêem o nó na corda que não corra. Chés-bés; Maria põe palha.
E, lida a sentença, aconselhou o réu a recorrer para a Relação. Foi o processo para a Relação do Porto, e de lá devolveram-no alegando que não entendiam os dizeres daquela sentença, especialmente aquele «chés-bés, Maria põe palha». Que era melhor lá ir.
O Juiz de Fajão marcha para o Porto, mas levou consigo um rapazito dos seus oito anos. Explicou-lhe o que queria dizer «chés-bés, Maria põe palha», e chegado ao tribunal da Relação, disse ao rapazito que esperasse à porta, e se o chamassem para lhe perguntarem o que queria dizer «chés-bés, Maria põe palha», que dissesse. Depois entrou, mas ninguém lhe deu cadeira para se sentar. Então ele não se desmanchou; pegou no capote, dobrou-o muito bem dobrado e sentou-se em cima dele.
Perguntaram-lhe então o que queria dizer a sentença, e ele explicou: «Julgo que bem julgo,» porque julguei conforme a prova testemunhal.» «Posto que bem mal julgado está», porque eu vi que o réu está inocente». «Vi, que não vi», porque vi quem matou mas não posso ser Juiz e testemunha.» Morra que não morra, dêem o nó na corda que não corra», porque ele não deve morrer visto que está inocente.
E pergunta o presidente da Relação: — Então e que é isto que aqui está: «chés-bés, Maria põe palha?» — Pois os senhores não sabem o que é chés-bés? Até um rapazito sabe o que isso é. Olhe, quando eu entrei estava ali um à porta; se o mandarem chamar, ele diz o que isso é.
Foram chamar o rapazito, e perguntaram-lhe o que quer dizer «chés-bés». Ele respondeu logo: Quer dizer etc, etc.
O Juiz da Relação não se deu por vencido, e perguntou ao Juiz de Fajão: — Então e isto que aqui está: «Maria põe palha?» — Sabe, Sr. Dr. Juiz, é que nós lá em Fajão temos falta de azeite para nos alumiarmos, e então deitamos palhas na fogueira para podermos escrever. Quando a chama vai a apagar-se tem de se dizer: Maria, põe palha!
O Juiz da Relação disse então: — Pois se lá não têm azeite, mande cá uma almotolia que eu dou-lhe o azeite. Terminada assim a audiência, o Juiz de Fajão levantou-se, despediu-se com todo o respeito e já ia a sair, quando o oficial de diligências lhe gritou lá do cimo da escada: Então o senhor Juiz de Fajão não leva o capote? — O Juiz de Fajão nunca levantou cadeira donde se assentou.
Contos de Fajão - Recolha de Monsenhor Nunes Pereira Edição do Museu Antropológico de Coimbra
Sítio da aldeia de Fajão
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