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Contos de Fajão
 

O POTE DA VERDADE

 

Estava a decorrer um julgamento no tribunal de Fajão, e a certa altura uma testemunha fez o seu depoimento e rematou:

 

- Isto é que é a verdade.

 

O Juiz, ao ouvir falar em verdade, perguntou ao Delegado e ao Escrivão o que era aquilo, a verdade. Afinal, ninguém ali sabia o que era: só sabiam que era uma coisa que vinha de Coimbra.

 

Então encarregaram o oficial de diligências de ir a Coimbra buscar a verdade.

Ele foi, levou um grande pote para trazer cheio de verdade, e quando chegou à entrada de Coimbra, ali por alturas do Calhabé, perguntou onde era a Universidade, pois lhe pareceu que na Universidade é que encontraria verdade com fartura.

 

Calhou passarem por ali uns estudantes, e ao verem aquele serrano de carapuça e tamancos abertos, vestido de burel, a perguntar onde era a Universidade, para lá ir buscar a verdade, logo acudiram dizendo: Deixe cá isso connosco, e amanhã às tantas horas esteja aqui, que nós trazemos o pote cheio de verdade.

O homem concordou e entregou-lhes o pote.

 

Dali os estudantes foram para a sua «República», e nessa noite todos «fizeram» para dentro do pote. Depois puseram-lhe um pano na boca e amarraram-no muito bem, e no dia seguinte, de manhã, lá estavam no sitio combinado, com o pote da verdade.

 

«Aqui está o pote cheio de verdade. O senhor leve-o com muito cuidado, e não o abra nem o deixe abrir senão quando chegar a Fajão, e diante do Sr. Juiz e das autoridades da vila, porque a verdade é uma coisa muito fina, evapora-se com muita facilidade».

 

O oficial de diligências, todo satisfeito, lá foi para Fajão com o pote da verdade.

Chegado a Fajão, dirigiu-se à Praça, em frente da Câmara. Logo constou que tinha chegado a verdade, e todos se juntaram: o Juiz, o Pascoal, o Escrivão e as demais autoridades. Diante de todos foi destapado o pote, colocado em cima de um poial, e o Juiz foi o primeiro a cheirar.

—«Parece que é merda!...», disse ele.

E o oficial de diligências respondeu:

—«É verdade!»

 

 

Seguidamente todos cheiravam, e todos diziam:

«Realmente parece que é merda».

Mas o homem respondia sempre: —«É verdade!»

 


 

Contos de Fajão - Recolha de Monsenhor Nunes Pereira

Edição do Museu Antropológico de Coimbra

 

Sítio da aldeia de Fajão

http://fajao.no.sapo.pt/

 

 

 

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